O contato também é intenso com os soldados. Vale lembrar que a Minustah, assim como missões anteriores da ONU, foi para o Haiti não por causa dos indicadores sociais, mas por causa de convulsões populares, guerra civil, que desestabilizaram o sistema político e as instituições ao longo de toda a história do país.
Ao menos aparentemente, as tropas têm sido bem recebidas. Os militares brasileiros que chegaram no Haiti em maio contam que alguns até agora não precisaram dar sequer um tiro. “Isso é o que nos conforta e motiva a continuar trabalhando duro”, ressalta o comandante brasileiro, coronel Fioravante.
Ações conhecidas como Aciso – Ações Civico Sociais – também ajudam. A cada dois dias, em média, ocorre distribuição de água e alimentos, atividades de recreação para as crianças e, algumas vezes, também orientações de higiene bucal.
“A gente já percebeu desde o início da missão que depois dessas atividades de Aciso a gente passa na rua e a população brinca, pede mais alguma atividade, distribuição de alimento, água, brincadeira, e isso é bom pra gente”, explica o tenente Johnestown Haullinson, responsável pela organização do Aciso que visitamos no segundo dia da viagem.
Outras atividades também são desenvolvidas pela divisão de assuntos civis, responsável pela ligação entre as autoridades do governo, os organismos internacionais, o braço armado da missão e a população haitiana. “Nós estamos formando líderes comunitários para que eles possam atuar em situações de emergência aqui dentro do país deles, como enchentes", conta o tenente-coronel Eugênio Pecelli.
O general Augusto Heleno, primeiro force commander da Minustah, conta que no início a missão tinha um caráter mais rígido, de imposição de paz, "devido à situação de defesa encarniçada das gangues dentro das favelas principais, tanto de Bel Air, quanto de Citè Militaire, quanto de Citè Soleil".
"Hoje o perfil é muito mais humanitário, isso melhorou muito a nossa chegada perto da população", complementa o general.
“No início, [o relacionamento] não foi muito bom; agora é diferente, porque a Minustah traz a paz aqui; no início não tinha paz. Quando a Minustah chegou, todo dia tinha tiro, era normal o conflito entre os bandidos”, resume Jean Baptiste Jean Denis, intérprete da ONU, que trabalha no batalhão brasileiro.
Chama a atenção a quantidade de pessoas que, como Jean, aprenderam ou estão aprendendo aos poucos o português. Muitos com os mesmos objetivos: conseguir um emprego e vir para o Brasil estudar.
Só no recém criado Centro de Estudos Brasileiros – inaugurado em fevereiro deste ano -, 70 haitianos já fizeram o primeiro nível do curso de português. São alunos geralmente de baixa renda, mas que sabem falar além do francês e do creole, língua oficial, algum outro idioma, como o espanhol.
“Hoje você tem um país altamente internacionalizado, com gente de todo o mundo, e quanto mais idiomas você fala, mais possibilidades de contato, de interação e provavelmente de emprego”, explica o coordenador do centro, José Renato Baptista. “Nós temos também demandas de estudantes que fazem graduação aqui ou desejam fazer uma graduação no Brasil”, completa.
Mas a Minustah está longe de ser uma unanimidade. A resistência de setores da própria Igreja Católica, de organizações da sociedade civil e de partidos como o Kombat é uma coisa que o próprio embaixador brasileiro, Igor Kipman, admite.
Os motivos para a resistência são vários. Organizações sociais consideram as tropas como de ocupação, e não de paz, o que viola a soberania do Haiti. Em um comunicado recente, 20 entidades disseram que seria melhor que o dinheiro da Minustah fosse aplicado em projetos de reconstrução do país. Elas dizem, também, que as tropas massacram os movimentos sociais.
Só que ainda não existe data para a saída das tropas internacionais que estão no Haiti. De acordo com o segundo homem no comando da Minustah, o brasileiro Luiz Carlos da Costa, a previsão é de que o perfil atual da missão seja mantido até 2011 pelo menos. "É prematuro no momento mudar o nosso perfil", diz.
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