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04 junho 2010

Finalizando

A série, escrita ainda em outubro de 2008, fica por aqui. Algumas matérias chegaram a ser publicadas. Com a mudança no site, a Agência Brasil ainda está sem o arquivo disponível. Assim que já estiver tudo certinho, coloco os links aqui.

Do Haiti, acompanhei o que virou notícia no último ano e meio, desde a minha visita. Como não poderia deixar de ser, o terremoto mais uma vez chocou. Ver o Palácio do governo totalmente destruído doeu, ainda mais lembrando da manhã linda em que fizemos imagens por lá para a TV Brasil, antes de voltarmos para o Brasil.

Doía ver aquela população, já sofrida mais do que o bastante, passando por mais um desastre. Um desastre que, pouco depois, causou prejuízos bem menores no Chile. O que mais desenvolvimento não faz por um país...

Mais uma vez lembrei as cenas de Gonaíves pós-furacões. Tinha sido uma das cidades mais atingidas na época. Algo já esperado visto que ao redor, morros sem nenhuma vegetação, na cidade, casas com pouquíssima estrutura... Os deslizamentos de terra acabaram destruindo parte do muro da base argentina, um dos oficiais já estava doente, devido à falta de higiene e de água potável.

Mas nada comparável à situação da praça central. De um lado, a cadeia pública. Do outro, a igreja matriz, que servia de abrigo para quem já não tinha casa. Na praça em si, lama, esgoto, uma água fétida que ia até o porto velho - um caminho de uma rua só, curta até. Mas cujo cheiro era insuportável. Os bonés azuis recebidos do comando brasileiro viravam máscaras, para tentarmos respirar minimamente. Olhava para o lado, pareciam poças de água, com bastante material orgânico e em decomposição. Era isso o que o cheiro fazia intuir. O cheiro e o aspecto - verde e borbulhante. Melhor não entrar em mais detalhes.

O fato é que aquela viagem vai ser sempre uma marca. Uma lembrança que os textos publicados nos últimos dias aqui ajudam a manter viva sempre.

Olhando para o futuro

E o que se pode fazer para para sair desse buraco? “Eu não sei o que falta. Quem sabe falte um pouco de garra, de 'eu vou fazer' e não ' vou esperar que alguém faça por mim', que é um sentimento também do haitiano, 'o governo resolverá ou alguém resolverá por mim'", acredita a embaixatriz Roseana Kipman.

Alguns militares brasileiros vêem a necessidade de uma ação governamental, que aproveite o ambiente de segurança para iniciar um processo de desenvolvimento sustentado. “Eu acho que tem que haver uma pressão das associações de direitos humanos junto ao governo haitiano, junto à própria ONU, no sentido de esse sofrimento, essa miséria do povo ser atenuada", afirma o comandante do batalhão brasileiro, coronel Fioravante.

Ok, ação governamental. Mas o que, de forma concreta, é necessário no curto prazo? Quem responde primeiro é o intérprete do batalhão brasileiro, Jean Denis (o mesmo que quer ir estudar no Brasil). “Pra ser um país que não sofre, é emprego pra população, porque quando todo mundo está trabalhando, não vai ter problema econômico e ninguém vai se preocupar com outras coisas [que, de acordo com ele, seriam fazer baderna, enfrentar as tropas estrangeiras...]".

Para ele, é o desemprego, que atinge cerca de 80% da população, que faz o povo sofrer. "A segunda coisa: escola, formação da população; pra população falta formação, escola pras crianças, jovem que está querendo estudar, mas não tem possibilidade”, completa.

"Jobs, jobs, jobs!", como diz o brasileiro Luiz Carlos da Costa, um dos "chefões" da Minustah. É o que iniciativas como a fábrica de rum Barbancourt (a única que conseguimos visitar) geram. Na empresa, existente desde 1862, são empregadas 300 pessoas, desde o corte e moagem da cana até o envase e exportação do produto final, que vai para 15 países, principalmente europeus. O menor salário pago, de acordo com Jean Dominic Denis, funcionário da fábrica, é de US$ 3 por dia.

“Esse rum é uma honra nacional, porque na época do embargo [imposto pelos Estados Unidos] não tinha nada funcionando, só a Barbancourt funcionava para ajudar o país”, diz Denis. Por dia, a Barbancourt produz 1,6 mil caixas com 12 garrafas grandes (aproximadamente 700 ml) e 1,3 mil caixas com 24 garradas pequenas.

Voltando à geração de empregos, o embaixador brasileiro, Igor Kipman, diz que o governo haitiano tem trabalhado nisso, mas "devagarinho". “As coisas aqui acontecem num ritmo muito próprio do Haiti, devagar, não acontecem muito rapidamente. Está acontecendo devagarinho, com os tropeços a que este país está sujeito". Tropeços geográficos - os furacões - e as dificuldades enfrentadas por uma democracia que renasce - foram quatro meses desde abril sem um primeiro-ministro.

"[O país] ficou praticamente metade do ano de 2008 com um governo encarregado dos assuntos correntes, um governo que não pode assumir compromissos a médio prazo, claro que isso atrasa todo esse processo [de desenvolvimento]”.

Para o médio prazo, existe um plano feito pelo governo que caiu em abril junto com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que prevê, em três anos, geração de emprego e aumento de renda. O embaixador Kipman lembra que estava marcada uma reunião, no início do ano, com doadores internacionais, para definir os recursos necessários ao plano. Só que ela foi desmarcada tanto por conta dos problemas políticos quanto pelos climáticos.

A esperança dele é que essa reunião seja feita em novembro, “e aí então vai se dar início ao plano que deveria ter começado no início de 2008, vai acabar começando em 2009”.

02 junho 2010

Rota de furacões

Não bastassem os problemas sociais e políticos que atormentam o Haiti há dois séculos, desde a independência, o país está numa rota de furacões. Por ano, a média é de 20 tormentas, entre julho e outubro. Nem todos acertam em cheio o território, mas geralmente passam perto o suficiente para causar estragos.

A situação em Gonaíves, que foi atingida por dois furacões seguidos em setembro, mostra bem a fragilidade da cidade histórica - foi lá que começou e se concretizou o movimento de independência. Ruas alagadas, postes de fiação elétrica caídos, carros virados, muita lama e um cheiro de matéria orgânica em decomposição na praça principal, perto do porto, pessoas desabrigadas e famintas. "Vai fazer o quê?", questiona a embaixatriz brasileira, Roseana Kipman. "Você vai dizer pra três milhões de habitantes 'saiam da cidade, que ela não é boa para vocês'? E eles dizem 'essa é a minha única casa, meu único terreno, você vai me dar outro igual?'".

Para ela, não se tem o que fazer em termos de prevenção contra os resultados das catástrofes naturais. "Teoricamente eu posso tirar a cidade dali e colocar em cima do morro, mas só teoricamente. Essa é uma cidade histórica, ali se deu a independência. Você acha que eles vão abandonar a cidade pra água? Não vão abandonar".

As montanhas que ficam do lado oposto ao mar já não têm árvores, derrubadas para fazer lenha e carvão - única fonte de energia para cozinhas. Isso facilita o deslizamento de terra, enchendo a cidade de lama e pedras. Este ano, depois da passagem de quatro furacões, dois no sul e dois no centro-norte, as chuvas e ventos fortes também bloquearam 16 pontos de estradas, dificultando o acesso às cidades afetadas.

"É uma catástrofe que em números gerais afetou cerca de 800 mil pessoas e destruiu muita coisa da infra-estrutura", conta o general Santos Cruz, force commander da Minustah. "Você tem [em final de setembro] mais de 150 mil famílias diretamente afetadas, hoje ainda tem cerca de 170 mil pessoas em abrigos temporários".

De acordo com ele, a Minustah não sofreu revés algum. O mesmo não se pode dizer do Haiti. "Isso pode causar um atraso em todo o programa de estabilização e desenvolvimento do país. O Haiti no ano passado teve um crescimento positivo que não tinha há 20 anos, vinha dando uma recuperada e mostrando alguns sintomas de desenvolvimento; esse ano até talvez o desenvolvimento seja negativo".

O atraso nesse processo, para Luiz Carlos da Costa, número dois no comando da Minustah, deve ser de até um ano. "O que se passou no país há duas semanas [meados de setembro] significa que no momento a atenção será desviada para a reconstrução da infra-estrutura destruída. Sete pontes chaves da infra-estrutura de comunicação, de transporte no país, foram destruídas, as poucas estradas que haviam, a grande parte delas foi destruída".

Essa não é a primeira vez que um furacão traz problemas para as tropas da ONU no Haiti e para o processo de desenvolvimento do país. Em 2004, quando a Minustah tinha recém chegado ao país, ainda não tinha seu efetivo completo e estava sob o comando, pelo menos o braço militar, do general brasileiro Augusto Heleno, o norte foi afetado por uma "rebarba de furacão".

"Os grandes esforços da missão foram desviados para Gonaíves, que entre uma tragédia humanitária e combater criminalidade, vamos cuidar primeiro do humanitário, mas isso deu chance às gangues [em Porto Príncipe, capital] de se fortalecerem muito, tanto em Bel Air, quanto em Citè Soleil, quando nós voltamos a atuar contra as gangues, elas já estavam muito fortalecidas", relata.