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02 junho 2010

Rota de furacões

Não bastassem os problemas sociais e políticos que atormentam o Haiti há dois séculos, desde a independência, o país está numa rota de furacões. Por ano, a média é de 20 tormentas, entre julho e outubro. Nem todos acertam em cheio o território, mas geralmente passam perto o suficiente para causar estragos.

A situação em Gonaíves, que foi atingida por dois furacões seguidos em setembro, mostra bem a fragilidade da cidade histórica - foi lá que começou e se concretizou o movimento de independência. Ruas alagadas, postes de fiação elétrica caídos, carros virados, muita lama e um cheiro de matéria orgânica em decomposição na praça principal, perto do porto, pessoas desabrigadas e famintas. "Vai fazer o quê?", questiona a embaixatriz brasileira, Roseana Kipman. "Você vai dizer pra três milhões de habitantes 'saiam da cidade, que ela não é boa para vocês'? E eles dizem 'essa é a minha única casa, meu único terreno, você vai me dar outro igual?'".

Para ela, não se tem o que fazer em termos de prevenção contra os resultados das catástrofes naturais. "Teoricamente eu posso tirar a cidade dali e colocar em cima do morro, mas só teoricamente. Essa é uma cidade histórica, ali se deu a independência. Você acha que eles vão abandonar a cidade pra água? Não vão abandonar".

As montanhas que ficam do lado oposto ao mar já não têm árvores, derrubadas para fazer lenha e carvão - única fonte de energia para cozinhas. Isso facilita o deslizamento de terra, enchendo a cidade de lama e pedras. Este ano, depois da passagem de quatro furacões, dois no sul e dois no centro-norte, as chuvas e ventos fortes também bloquearam 16 pontos de estradas, dificultando o acesso às cidades afetadas.

"É uma catástrofe que em números gerais afetou cerca de 800 mil pessoas e destruiu muita coisa da infra-estrutura", conta o general Santos Cruz, force commander da Minustah. "Você tem [em final de setembro] mais de 150 mil famílias diretamente afetadas, hoje ainda tem cerca de 170 mil pessoas em abrigos temporários".

De acordo com ele, a Minustah não sofreu revés algum. O mesmo não se pode dizer do Haiti. "Isso pode causar um atraso em todo o programa de estabilização e desenvolvimento do país. O Haiti no ano passado teve um crescimento positivo que não tinha há 20 anos, vinha dando uma recuperada e mostrando alguns sintomas de desenvolvimento; esse ano até talvez o desenvolvimento seja negativo".

O atraso nesse processo, para Luiz Carlos da Costa, número dois no comando da Minustah, deve ser de até um ano. "O que se passou no país há duas semanas [meados de setembro] significa que no momento a atenção será desviada para a reconstrução da infra-estrutura destruída. Sete pontes chaves da infra-estrutura de comunicação, de transporte no país, foram destruídas, as poucas estradas que haviam, a grande parte delas foi destruída".

Essa não é a primeira vez que um furacão traz problemas para as tropas da ONU no Haiti e para o processo de desenvolvimento do país. Em 2004, quando a Minustah tinha recém chegado ao país, ainda não tinha seu efetivo completo e estava sob o comando, pelo menos o braço militar, do general brasileiro Augusto Heleno, o norte foi afetado por uma "rebarba de furacão".

"Os grandes esforços da missão foram desviados para Gonaíves, que entre uma tragédia humanitária e combater criminalidade, vamos cuidar primeiro do humanitário, mas isso deu chance às gangues [em Porto Príncipe, capital] de se fortalecerem muito, tanto em Bel Air, quanto em Citè Soleil, quando nós voltamos a atuar contra as gangues, elas já estavam muito fortalecidas", relata.

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