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28 setembro 2005

Travessias

Hoje foi aniversário dela, por isso republico esse texto que escrevi semestre passado, como minha homenagem para essa pessoa tão querida: minha Oma.

"O vô já estava por aqui naquela época. Viera em 1929, quando a Alemanha, a exemplo da grande maioria dos países europeus e dos Estados Unidos, sofria com a Grande Depressão. Casou no Brasil e teve dois filhos, um menino e uma menina, Annita, minha “oma” (avó em alemão).

Em 39, a família voltou à Alemanha. Primeiro foi o vô, com os dois filhos, pois não tinham dinheiro suficiente para pagar a viagem dos quatro. A vó só foi depois, como babá, para pagar a travessia do Atlântico. Nenhum deles podia imaginar os horrores que os esperavam na Alemanha nazista de Adolf Hitler. Em setembro daquele ano, a Segunda Grande Guerra começou.

A princípio, moravam em Berlim. Durante a guerra, no entanto, se fixaram numa região próxima a Hamburgo; atualmente, território polonês. As dificuldades eram muitas nesse período. O vô queria ir para a África, mas, por diversos motivos (de saúde, inclusive), acabou indo para o front na Rússia, tudo o que ele não queria. Estava à disposição dos fascistas italianos. Enquanto os pequenos tinham de pedir comida de porta em porta, seus pés congelavam em terras inimigas. Foi levado de volta a Berlim, ficou em um hospital. Foi o que salvou sua vida. Já a salvação de sua esposa e os três filhos (sim, um terceiro nasceu já na Alemanha) foram as batatas. Era costume enterrá-las para evitar que congelassem. Não fosse por isso, nem batatinhas teriam como alimento. Batatas eram a base de sua alimentação. Outras coisas eram escassas, e não tinham dinheiro para comprar nada melhor do que aquilo. Mas pelo menos tinham as batatas.

Em maio de 1945 a II Guerra acabou. A população alemã que fora empurrada para Leste pelos russos ia, aos poucos, voltando para Berlim. Oma, sua mãe e os irmãos estavam nessa massa humana. Conseguiram voltar ao Brasil somente em 1948. Mais uma vez, a família teve que se separar. Eles não pagaram a viagem, mas o vô teria que pagar. A saída foi pedir auxílio a uma tia da colônia aqui no Brasil.

Aquela foi a última travessia daquele navio. Ele afundou na viagem seguinte. Antes de chegar ao Sul do país, foram três semanas na Ilha das Flores, Rio de Janeiro. O percurso até o destino final foi feito de trem. Mas as malas não foram junto. Perderam-nas, por má fé de outros imigrantes do mesmo grupo. A vó estava doente, os companheiros de viagem iriam despachar a bagagem para ela. Nunca as recebeu.

Conseguido o dinheiro da passagem, o vô retornou. Viveu por alguns anos em terras brasileiras, até que o casal se separou. Mais uma vez, ele foi para sua terra. Faleceu lá. A Oma, junto com o restante da família, ficou por aqui. Anos depois, casou com seu Alcino, meu Nono. Tiveram seis filhos, dentre os quais está meu pai. Desde a guerra, muito tempo se passou, muita coisa aconteceu. As marcas daqueles quase dez anos em território nazista, contudo, não têm como ser apagadas. Estão profundas demais, na memória e no coração."

(escrito em 16/5/2005)

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