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31 outubro 2005

"O Jardineiro Fiel"

Um soco no estômago, um tapa na cara, um tiro na consciência de cada um que assiste ao filme ainda em cartaz. Não sei se foi essa a intenção de Meirelles ao trazer para nós, através das telas de cinema, a realidade da África que virou laboratório de testes para fabricantes de remédio de diversas partes do mundo. Se não era, ficou sendo.

Acho que é quase impossível sair da sala de cinema sem se sentir tocado de alguma forma com o filme. Eu, a bem da verdade, saí sem palavras. Não há o que dizer sobre esse assunto. Todos sabemos que qualquer remédio, antes de chegar ao mercado, precisa passar por testes, não só com ratinhos de laboratório. É imprescindível testá-los em cobaias humanas.

É uma realidade que sabemos existir, mas preferimos fingir que não existe. É uma situação que incomoda, pois são muitas as vidas tiradas, sem dó nem piedade. Tudo em nome do bem da ciência. Não será esse um preço alto demais a ser pago? Não seria melhor simplesmente voltar ao laboratório para redesenhar a fórmula do medicamento aos primeiros efeitos colaterais que surgissem? Isso leva tempo, sim. Gasta dinheiro, sem dúvida. Além de atrasar a entrada do medicamento no mercado e abrir espaço para que os concorrentes formulem um remédio semelhante antes.

Mas será que vale mesmo a pena pagar com tantas vidas o preço de um mercado. Não quero discutir aqui o bem ou mal dos medicamentos desenvolvidos até hoje, e que já salvaram ou melhoraram a qualidade de inúmeras vidas. A questão é o método dos testes. Erros levados adiante, em nome da primazia num mercado sedento de novas soluções médicas.

Meirelles tocou num ponto delicadíssimo. É uma discussão que, se levada a cabo, dá muito pano pra manga. Para nós, meros mortais, fica a reflexão. Para nós, futuros jornalistas, e para os atuais jornalistas, fica o desafio da denúncia, uma tentativa de construir um mundo mais justo e humano.

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